COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE DOS DISCURSOS DAS COORDENADORAS PEDAGÓGICAS

Resumo: O objetivo deste texto é compreender a percepção das coordenadoras pedagógicas das creches da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista – BA sobre a relação entre a sua atuação e a promoção da qualidade da Educação Infantil. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja análise dos dados recorreu ao uso dos postulados foucaultianos, com os conceitos de: discurso, vontade de verdade, saber e poder. A pesquisa evidencia que é necessário que a Secretaria Municipal de Educação, o Sindicato do Magistério Municipal e os (as) educadores aprofundem as discussões sobre a qualidade da Educação Infantil da rede municipal e a identidade da coordenação pedagógica nesta etapa da Educação Básica.

Palavras-chave: Coordenação Pedagógica; Educação Infantil; Qualidade.


INTRODUÇÃO

Neste artigo, analisamos o discurso das coordenadoras pedagógicasEm 2014 existiam 22 creches na rede municipal, mas apenas 18 contavam com coordenadoras pedagógicas. Destas, apenas 7 responderam o questionário, sendo 4 de creches municipais e 3 de creches conveniadas, todas situadas no perímetro urbano do município. Quanto à formação inicial das partícipes da pesquisa, 5 são licenciadas em Pedagogia, uma em Geografia e uma em História. Elas têm especialização em educação,  experiência em sala de aula da Educação Infantil e na coordenação pedagógica. das instituições públicas de Educação InfantilDoravante, utilizaremos no texto a sigla EI, no lugar de Educação Infantil. de Vitória da Conquista – BA com o objetivo de compreender a sua percepção sobre a relação entre a sua atuação e a promoção da qualidade da EI. Este estudo é fruto da pesquisa intitulada: Coordenação pedagógica e qualidade da EI na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista – BA, realizada no período de 2013 a 2015, que teve como objetivo investigar a contribuição das coordenadoras pedagógicas para a construção do conceito de qualidade da EI da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista - BA.

Inicialmente, foi realizado o levantamento bibliográfico sobre coordenação pedagógica na EI. A pesquisa foi feita na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, no Portal de Periódicos Capes/MEC e nos sites da Associação Nacional de Política e Administração da Educação e da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Ao todo foram encontrados apenas 9 trabalhos que discutem esta temática confirmando a importância deste estudo para a área. Além destes textos, localizamos livros e artigos que abordam este tema e documentosDiretrizes Curriculares Nacionais para a EI (Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009) e Resolução n° 006/2012, que estabelece normas para o funcionamento de instituições de EI, jurisdicionadas ao sistema municipal de ensino de Vitória da Conquista. do MEC/Conselho Nacional de Educação e Conselho Municipal de Educação, que orientam a organização da EI em âmbitos nacional e municipal.

O levantamento de dados foi realizado por meio de questionários. A opção pelo instrumento se justifica pela possibilidade de alcançar um grande número de participantes, pela garantia do seu anonimato e por se adequar à disponibilidade de tempo dos sujeitos da pesquisa. Composto por seis questões objetivas e treze subjetivas, o questionário foi encaminhado por e-mail para as coordenadoras pedagógicas, após a adesão à pesquisa.

A metodologia utilizada é de cunho qualitativo e para análise dos dados empregamos postulados foucaultianos, fazendo uso dos conceitos: discurso, vontade de verdade, saber e poder. Para Foucault, a verdade não existe, mas sim uma vontade de verdade, pois esta é modificada ao longo da história, de acordo com o discurso científico vinculado nas instituições que o proferem, está vinculado a questões econômicas e políticas, sua produção e veiculação é controlada, de modo quase exclusivo, por aparelhos políticos ou econômicos, etc. Nesse sentido, podemos afirmar que saber e poder se entrelaçam, na medida que estão diretamente imbricados. Para Foucault (MACHADO, 2014), o poder não existe, ele é exercido. Assim, ele não está localizado em um único ponto, centrado no Estado por exemplo, mas ele se manifesta na rede social, ou seja, o poder está disperso em vários lugares no tecido social, produzindo saberes. “[...] Estes saberes se constituem a partir das relações de poder, o poder fabrica o saber [...]” (FERRAZ, 2016, p. 20).

Segundo Foucault (2008, p. 132), discurso é “[...] um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva”. Nesse sentido, o enunciado não é compreendido no sentido tradicional adotado na gramática, mas como “[...] produzido por um sujeito, em lugar institucional, determinado por regras sócio-históricas, que definem e possibilitam o enunciado” (MILANEZ, 2009, p. 19).

Assim, o discurso não pode ser reduzido à mera representação das coisas por meio de palavras ou frases. Ele traz consigo uma rede conceitual, fruto do contexto em que foi criado. O discurso é uma produção histórica e política.

BREVE CARACTERIZAÇÃO DA EI DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE VITÓRIA DA CONQUISTA - BA

Em 2014 O levantamento de dados da pesquisa aconteceu em 2014, por este motivo, tomamos este ano como referência para apresentarmos os números da EI do município., havia 140 instituições de EI em Vitória da Conquista Vitória da Conquista é o terceiro maior município da Bahia com a população estimada de 343.230 habitantes em 2015 (IBGE, 2015). Seu Produto Interno Bruto – PIB em 2013 era o quinto maior do estado, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI.: 62 da rede privada e 78 da rede pública, totalizando 10.990 matrículas: 2.758 crianças na creche e 8.232 crianças na pré-escola.  Neste contexto, as instituições públicas estavam distribuídas da seguinte maneira: 01 creche estadual, 22 creches Na rede municipal de Vitória da Conquista, o uso da nomenclatura creche é comum a todas as instituições de EI, mesmo àquelas que atendem crianças da pré-escola. municipais (01 na zona rural e 21 na zona urbana), e 55 escolas com turmas de EI (33 na zona rural e 22 na zona urbana), sendo que destas 08 escolas possuem salas para Atendimento Educacional Especializado (01 na zona rural e 07 na zona urbana).  (INEP, 2014).

Um aspecto relevante sobre a EI de Vitória da Conquista é a coexistência das creches municipais e conveniadas: das 22 instituições existentes, 10 eram conveniadas. Ou seja, 43,5% das creches do município eram instituições privadas sem fins lucrativos e não foram criadas por iniciativa do poder público, tiveram origem na iniciativa da sociedade civil, sobretudo dos movimentos sociais e religiosos. Elas são contabilizadas no Censo Escolar como instituições municipais e têm seu trabalho viabilizado por meio/pelo do convênio com a prefeitura municipal, que arca com os funcionários e demais despesas utilizando, em contrapartida, o espaço das instituições. Quanto à gestão, as diretoras das creches conveniadas são indicadas de acordo com critérios estabelecidos em seus estatutos, enquanto as diretoras das creches municipais, a princípio, eram designadas pelos gestores municipais, mas, a partir de 2009, para exercer a função no biênio 2010/2011, precisaram se submeter ao processo de eleição para diretores e vice-diretores previsto o Decreto nº 13.263/2009, a exemplo do que já acontecia nas escolas municipais desde 1993 (CHAVES, 2011).

A coordenação pedagógica na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista é exercida por professores (as) pertencentes ao quadro de efetivos. Como critério para exercer o cargo, exige-se a formação em Pedagogia ou outra licenciatura com especialização em educação, conforme a Resolução nº 006/2012 do CME. Não há nenhum documento oficial que regulamente o exercício da coordenação pedagógica na EI da rede municipal de ensino, visto que a mesma não possui o Regimento da EI. Por este motivo, a definição de coordenação pedagógica apresentada no Regimento das Escolas Municipais de Ensino Fundamental, resolução nº 004/2004, do CME, tem sido utilizada para normatizar o trabalho das coordenadoras pedagógicas que atuam na primeira etapa da Educação Básica.

ANÁLISE DE DADOS

A EI de qualidade é um direito das crianças pequenas, consolidado na Constituição Federal de 1988. A lei magna reconhece a cidadania infantil e representa um avanço ímpar no âmbito das políticas públicas para a infância brasileira. Tal conquista incidiu diretamente na discussão e estruturação da EI no Brasil, repercutindo em toda a legislação educacional subsequente, a começar pela LDBEN, lei nº 9394 /96 que a instituiu como primeira etapa da Educação Básica. Desde então, um arcabouço de leis e documentos oficiais foi elaborado a fim de orientar a construção de um novo paradigma de EI. Em tal contexto, debater a qualidade da EI exige uma criteriosa reflexão sobre a forma de garantir a todas as crianças pequenas o direito a uma educação que possibilite o exercício da sua cidadania no cotidiano das creches e pré-escolas. Esta questão sobressai frente às marcas da história da educação da primeira infância no Brasil, polarizada entre o assistencialismo e a escolarização precoce, ainda presentes em muitas instituições, apesar da legislação e estudos sobre a educação das crianças pequenas a partir da década de 1980. Diante do exposto, é premente a necessidade de se consolidar a identidade das instituições de EI como espaços eminentemente educativos, em que as crianças de 0 a 5 anos vivenciem experiências significativas, pautadas no tripé educar-cuidar-brincar.

Sob esta ótica, considerando que a formação dos (as) educadores (as), a mediação da elaboração e execução do Projeto Político Pedagógico, a articulação da creche e da família no cuidado e educação das crianças e o planejamento e acompanhamento das atividades em sala de aula são alguns dos eixos do trabalho da coordenação pedagógica nas instituições destinadas à educação da primeira infância (PEREIRA, 2015; ALVES, 2011; ALVES & BARBOSA, 2011; BRUNO, ABREU & MONÇÃO, 2010;), pode-se afirmar que o (a) coordenador (a) pedagógico (a) é “figura-chave” na promoção da qualidade da EI (BONDIOLI, 2004). Para Bruno, Abreu e Monção (2010, p.84), a coordenação pedagógica na EI tem como uma das suas principais atribuições:

[...] garantir que nas ações dos educadores estejam entrelaçados os princípios fundamentais dos atos de cuidar e educar de forma a contemplar a multiplicidade de dimensões da pessoa humana, privilegiar a escuta e favorecer a reflexão permanente sobre o que as crianças nos dizem. Contribuindo para o crescimento intelectual, afetivo, ético e relacional tanto das crianças quanto dos educadores envolvidos diretamente com elas, o coordenador pedagógico é aquele que atua como ‘o mediador que articula a construção coletiva do projeto político pedagógico [...] e que, em comunhão com os professores, elabora a qualidade das práticas educativas’ (BRUNO, 2006, p.26).

Questionadas acerca da sua concepção de qualidade em EI, as coordenadoras pedagógicas relevaram a compreensão de que a mesma está estreitamente relacionada ao respeito às crianças e à promoção da sua cidadania, amplamente divulgada no período pós 1988, por meio dos documentos oficiais, das pesquisas na área e da atuação da militância dos movimentos sociais engajados na defesa da garantia do direito à EI, a exemplo do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB. Contudo, ao discorrerem sobre a coordenação pedagógica na EI e suas atribuições, as respondentes não mencionaram ações como: a observação/escuta das crianças a respeito do que sentem/ pensam sobre a educação que lhes é proporcionada, a relação entre coordenação pedagógica e direção na constituição da gestão escolar e a construção/implantação/avaliação do PPP. Além disso, a promoção da articulação entre as famílias e as creches no processo educativo só foi mencionada por CP2, ao responder se acredita que é possível oferecer uma EI pública de qualidade:

Sim. Com um trabalho sério, pautado nas Diretrizes Curriculares. E uma equipe de trabalho que busque garantir os direitos da criança, através da participação da famíliaGrifo das autoras., escola e instâncias governamentais exigindo o cumprimento da responsabilidade de cada um no processo de construção de uma Educação Infantil de qualidade. (CP2).

 Tal fato causa estranheza pela contradição que traduz, uma vez o paradigma de EI inicialmente identificado em seus discursos é embasado numa concepção de qualidade social da educação, que tem na gestão democrática um dos seus principais meios de efetivação (CASTRO, 2009; PARO, 2007). Nesta conjuntura, é possível deduzir que: a) as partícipes não se apropriaram de aspectos essenciais ao exercício da coordenação pedagógica na EI; b) e a gestão democrática, importante meio para a conquista de uma EI de qualidade ainda não se fortaleceu no seio das instituições, contrariando a Constituição Federal, a LDB e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EI, Resolução nº 5 de dezessete de dezembro de 2009.

Diante destas evidências, afirmamos que é necessário dedicar uma atenção maior ao PPP, valioso meio de transformar a realidade da educação das crianças pequenas, rompendo com a histórica precariedade no atendimento a esta faixa etária. Este documento, quando construído coletivamente e num viés verdadeiramente comprometido com a emancipação humana, pode promover a cidadania não só das crianças, mas de toda a comunidade, que é estimulada a construir a consciência sobre o próprio trabalho e sobre a sua concepção de sociedade, educação e infância, posicionando-se criticamente sobre o que é uma creche de qualidade e de que maneira ela pode ser concretizada. Afinal, como afirma Bondioli (2004, p.15):

Não há, portanto, qualidade sem participação. Não apenas porque, como se afirmou, é um critério de intersubjetividade que garante a validade dos critérios sobre os quais basear a qualidade, mas também porque é a sinergia das ações dos diversos atores ao buscar fins compartilhados que torna efetiva a possibilidade de realizá-los. Definir e produzir qualidade são uma tarefa política, um trabalho democrático.

O termo qualidade da educação se constitui como uma vontade de verdade em nossa sociedade, principalmente a partir da década de 1980. Por seu sentido polissêmico torna-se difícil ter um único sentido para o termo e considerando que esse sentido é atribuído pelos sujeitos de acordo com o local que ocupam para proferir seus discursos, podemos afirmar que as coordenadoras ao se posicionarem neste lugar institucional repetem um discurso sem clareza dos desdobramentos de suas falas. O fato é que ocupando esse lugar não podem se posicionar contra ao discurso aceito como verdadeiro, mas por outro lado não possuindo clareza das implicações de suas opções, não tornam efetiva a gestão democrática.

Em contrapartida, a formação das educadoras, o planejamento pedagógico, o “assessoramento” e apoio às monitoras e professoras, a supervisão do trabalho em sala de aula, a pesquisa e organização de material que será utilizado nos planejamentos, a realização de reuniões, a promoção da articulação entre todos os membros da comunidade escolar em prol da aprendizagem das crianças e o estabelecimento de boas relações interpessoais com os membros da equipe foram ações que sobressaíram na maioria das respostas acerca das atribuições da coordenação pedagógica na EI, indicando que o grupo de coordenadoras reconhece a importância da parceria com as educadoras para a constituição da intencionalidade educativa, indispensável para a qualificação das práticas pedagógicas nas instituições de EI. Neste sentido, outra dimensão da coordenação pedagógica é evidenciada: a responsabilidade pela gestão pedagógica, o acompanhamento e orientação do trabalho em sala de aula na EI, enfatizando a articulação com os professores estimulando a reflexão sobre sua prática e a busca por caminhos para melhorar a qualidade da educação destinada às crianças pequenas (PEREIRA, 2015).

Outra questão evidenciada nos discursos refere-se ao desvio de função vivenciado nas instituições e relatado por CP1 e CP6:

Auxiliar os educadores no que for preciso, o que ao meu ver descaracteriza um pouco a função, já  que por muitas vezes nós somos auxiliares, promoters de eventos, decoradores, mecanógrafos etc. (CP1).

Infelizmente, vejo que a coordenação pedagógica na educação infantil, ainda não encontrou o seu lugar, ou ainda não é vista como deveria ser, pois me vejo, às vezes, como uma ‘serviçal’ de minha equipe. Estou sempre sobrecarregada com coisas do tipo: ‘liga para mães de fulano, ele está com febre!’, ‘Preciso de papel higiênico’, ‘Estou sozinha, minha colega ainda não chegou’, ‘Chame alguém para levar a merenda ao refeitório’, ‘Tenho consulta amanhã, você precisa ver quem vai ficar com a minha colega’,  ‘Fulano fez cocô, quem pode dar um banho nele’... E com isso os projetos, as leituras, a elaboração de atividades, o planejamento, a orientação pedagógica vai ficando para trás... E eu ‘pirando o cabeção’, me sentindo incompetente. (CP6).

[...] acho que seria necessária a contratação de um profissional que possa auxiliar a coordenação pedagógica na confecção de material, organização do material didático, organização de eventos, entre outras coisas. (CP6).

Por meio dos discursos, percebemos o distanciamento das partícipes das suas atribuições para assumirem responsabilidades que são, ou deveriam ser, de outros profissionais da instituição, evidenciando a fragmentação da sua atuação que, desvalorizada, compromete a construção da identidade da coordenação pedagógica na EI da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista. Além disso, como fica claro no discurso de CP6, ao tomar para si atividades extras, as coordenadoras pedagógicas deixam as suas de lado, prejudicando a qualidade do seu trabalho e, consequentemente, das instituições que coordenam. Diante desta situação, surge a necessidade de levantar questões acerca do motivo que leva estas profissionais a assumirem atividades que as desviam do seu foco, mesmo causando-lhes descontentamento. Por que elas têm dificuldade em se ater às atribuições que lhe competem?  Os demais sujeitos da comunidade escolar sabem qual é o papel da coordenação pedagógica? Há o acompanhamento da Secretaria Municipal de Educação - SMED às coordenadoras pedagógicas no desempenho do seu papel, formando-as, orientando-as e apoiando o seu trabalho?

Em pesquisa realizada com coordenadores (as) pedagógicos (as) de capitais das cinco regiões do Brasil Placco et al (2011) deparou-se com um cenário semelhante: coordenadores (as) pedagógicos (as) que voluntária ou involuntariamente assumiam responsabilidades que não eram suas e inferiu que esta situação tinha origem na dificuldade destes sujeitos identificarem os limites e objetivos do seu campo de atuação e priorizarem a articulação da equipe em detrimento às outras dimensõesPara Placco e Almeida (2011), a coordenação pedagógica é composta por três dimensões: a formação, a articulação e a transformação. da coordenação pedagógica. Por sua vez, André e Vieira (2011, p.23) ressaltam que: “[...] ter clareza do papel de articulador do projeto político pedagógico da escola, num processo contínuo de formação de professores, é de fundamental importância para que o coordenador não se perca nas emergências e nas rotinas do dia a dia escolar.” Nessa direção, concluímos que as coordenadoras pedagógicas das creches da rede municipal de Vitória da Conquista também não têm claros os limites e objetivos da sua função (tanto é que questões essenciais como o PPP, a articulação das famílias... não aparecem em seus discursos), fato que as leva a se submeterem aos desvios de função e  demonstra a necessidade da rede municipal de ensino inserir em sua agenda a discussão acerca do papel da coordenação pedagógica na EI, bem como  a definir ações afirmativas para a constituição da identidade deste profissional, como formação, orientação e acompanhamento do seu trabalho. Pereira (2015, p.16), corroborando o argumento, afirma que:

[...] é preciso pensar o perfil do profissional que atua na EI (CAMPOS, 1994), neste caso, dos profissionais que assumem a coordenação pedagógica em creches e pré-escolas, dialogando para isso com as necessidades de formação inicial e continuada desses profissionais. É importante que os processos formativos destinados e eles levem em consideração, dentre outros aspectos, a especificidade dessa função na primeira etapa da Educação Básica e propiciem a apropriação de conhecimentos, habilidades e valores relativos aos aspectos pedagógicos, administrativos e relacionais requeridos por ela no sentido de assegurar às coordenadoras pedagógicas ampliarem e fortalecerem suas possibilidades de realização um trabalho mais eficiente, ético e democrático.

Nesta questão não podemos esquecer da relação existente entre saber e poder. A produção do saber constituído em torno da EI nas últimas décadas abre espaço para constituição de um campo de atuação profissional que deixa de ser visto como assistência para ser assegurado como educação. Essa mudança cria relações de poder no interior das instituições no sentido de instituir novas práticas discursivas por serem consideradas a vontade de verdade desse momento histórico (FOUCAULT, 2014), mas que enfrentam dificuldades para serem implementadas ao encontrar resistência dos sujeitos que estão nas instituições de EI por vários motivos: não possuir formação adequada, não aderir a novas propostas, entre outras possibilidades.

Todavia, apesar das dificuldades com relação à afirmação da sua identidade, as respondentes foram unânimes no reconhecimento da importância do seu papel na promoção da qualidade do trabalho desenvolvido nas instituições e ao revelarem-se angustiadas diante dos principais desafios que enfrentam ao desempenhá-lo, sobretudo, a escassez de tempo para realização do planejamento e de estudos com as equipes:

São muitos os desafios que poderia elencar, entre eles: [...] pouco tempo de planejamento das aulas (45 ou 50 dias), [...]  pouco tempo para estudo e atualizações etc (CP1).

A falta de um tempo maior para os momentos de estudo. [...] Falta de tempo para produção de material (junto com o professor) que será utilizado em sala de aula. (CP2).

O pouco tempo para planejar, estudar, pesquisar e confeccionar e organizar o material necessário para usar em sala de aula. (CP3).

Dentre as mais variadas solicitações realizadas para a SMED, sem sucesso, o que mais me angustia, enquanto coordenadora pedagógica de creche é a questão do planejamento, que acontece uma vez por mês, com o tempo destinado para planejamento escasso, devido às diversas demandas de uma creche. Além de colocarem pessoas do projeto Escola MaisO Projeto Escola Mais é uma iniciativa da SMED tendo como objetivo levar arte e recreação para as instituições de Educação Infantil ao mesmo tempo em que garante o tempo para o planejamento das professoras. sdespreparadas para atuarem com crianças pequenas, o que dificulta o planejamento, pois os monitores/professores são solicitados o tempo todo. (CP5).

[...] A falta de espaço no calendário escolar para realização de oficinas, estudos, treinamento da equipe... (CP6).

Constatamos nos discursos a denúncia do descumprimento das leis que asseguram o direito dos (as) educadores (as) ao tempo de estudos e planejamentoLei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96 e na Lei do Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica, nº 11.738/2008., representando um problema a ser resolvido em nome da garantia de uma EI de qualidade para as crianças matriculadas nas creches da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista. Afinal, a creche é uma instituição eminentemente educativa, sendo imprescindível que todo o trabalho nela desenvolvido seja pensado criteriosamente a fim de fazer jus ao desafio de estabelecer uma prática educativa embasada em uma compreensão ampla da educação da primeira infância, contextualizada com as transformações da sociedade contemporânea e ciente da sua função social.

Os enunciados linguísticos “falta de tempo” ou “tempo escasso” presente nos discursos dessas coordenadoras, evidenciam que além da falta de identidade profissional, elas ainda têm que administrar a insuficiência do tempo que lhes resta para oferecer condições de atendimento com algum cuidado pedagógico as crianças. Observamos, assim, a produção de um saber que reconhece as crianças como sujeitos de direitos e a EI como primeira etapa da Educação Básica, mas que não se materializa nas condições de trabalho das coordenadoras pedagógicas.

No contexto atual não há espaço para a manutenção de práticas pedagógicas pautadas no improviso, destituídas de uma sistemática reflexão sobre o que é uma EI de qualidade, sobre as formas como as crianças aprendem ou sem o estabelecimento de metodologias adequadas a cada etapa do desenvolvimento infantil. A riqueza de nuances e especificidades da educação da primeira infância requer planejamento criterioso e comprometido com as crianças e seu desenvolvimento. Nesta perspectiva, o planejamento na EI se contrapõe à manutenção de rotinas rígidas e marcadas pela repetição e transcende o trabalho com as datas comemorativas ou a listagem de atividades que induzem à reprodução e à mecanização, desconsiderando a cultura e o potencial das crianças. Constitui-se, portanto na ação qualificada de pensar a prática pedagógica fundamentada na articulação entre educar/cuidar/brincar, em que as educadoras, com a mediação da coordenação pedagógica, se debruçam sobre as práticas desenvolvidas, avaliam o seu trabalho e o modo como cada turma e cada criança têm se desenvolvido e buscam meios de se aproximarem delas de maneira significativa e enriquecedora (REDIN, 2012).

Por conseguinte, o planejamento e a formação continuada, compreendida como uma ação capaz de qualificar a prática docente (ORSOLON, 2001), se complementam, compondo a interface entre as concepções teóricas e as questões do cotidiano das instituições de EI, sendo ações de cunho formativo essenciais na construção da intencionalidade educativa tão cara à melhoria da qualidade da EI.  Neste contexto, a precarização das condições de realização do planejamento e da formação continuada nas instituições sinaliza o descompromisso do poder público municipal com a educação das crianças pequenas, pois, como enfatiza Alves (2011, s/p): [...] é fundamental que a formação seja assumida como dever dos sistemas de ensino, que precisam assegurar as condições institucionais para que o coordenador pedagógico a viabilize na instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi o de compreender a percepção das coordenadoras pedagógicas sobre a relação entre a sua atuação e a promoção da qualidade da EI na rede municipal de ensino de Vitória da Conquista, mediante a análise dos seus discursos a partir dos postulados foucaultianos.

Tal análise permitiu chegar às seguintes considerações: a) as coordenadoras pedagógicas apresentam uma concepção de qualidade em EI pautada no respeito às crianças na condição de cidadãs; c) as partícipes reconhecem-se como sujeitos que podem contribuir para a melhoria da qualidade da EI; d) elas revelam uma compreensão fragmentada da sua função, deixando de lado aspectos inerentes a ela como, por exemplo, a mediação da construção/implementação/avaliação do PPP; e) um dos maiores obstáculos à promoção da qualidade da EI na rede municipal de ensino é a falta de tempo para realizar estudos e planejamento com as equipes nas instituições; g) o exercício da coordenação pedagógica nas instituições de EI na rede municipal tem sido descaracterizado com a priorização de ações como organização de eventos, decoração, produção de materiais pedagógicos em detrimento à formação continuada e à mediação da construção da proposta pedagógica das instituições; h) O discurso sobre a qualidade na EI foi produzido pela verdade desse tempo histórico por meio da constituição de saberes por meio de várias vozes autorizadas, a partir de uma relação de forças. Essa verdade no contexto desta pesquisa evidencia a subjetivação das coordenadoras pedagógicas, mas também a resistência que exercem ao evidenciar a falta de condições (formação, tempo, material) para o exercício de sua função.

Diante deste quadro, que aponta questões que reverberam negativamente na afirmação da identidade das coordenadoras pedagógicas que atuam na EI e, consequentemente, na qualidade da EI da rede municipal de ensino, consideramos que é necessário que a SMED, o Sindicato do Magistério Municipal – SIMMP e todos (as) os (as) educadores do município aprofundem as discussões sobre a qualidade da Educação Infantil da rede municipal e a identidade da coordenação pedagógica nesta etapa da Educação Básica.

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