POLÍTICAS INDUTORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL: UM OLHAR SOBRE O PROGRAMA PROINFÂNCIA

Resumo: O objetivo desse trabalho é apresentar uma pesquisa de doutorado em andamento que  discute o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) como uma política indutora da expansão dessa etapa.  Inicialmente será abordada, de forma sucinta, a maneira como se constitui a arena das políticas públicas para a infância no Brasil. Em seguida, serão  apresentados alguns trabalhos já produzidos acerca da temática, revelando os desafios e as perspectivas da implementação do Proinfância em alguns municípios do país.  Para finalizar, serão expostas algumas reflexões acerca da expansão da Educação Infantil no Brasil.        

Palavras-chave: Políticas Públicas; Educação Infantil; Programa Proinfância


AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA NO BRASIL

Ao tratar do conceito de política pública, Condé (2013, p. 80) assevera que é preciso compreendê-la como característica da esfera pública da sociedade que se refere a problemas coletivos de espectro amplo. As políticas "emanam de uma autoridade pública que tem a legitimidade para sua implantação ou para delegá-la a outrem". Sendo assim, originam-se de um problema e se materializam a partir de algumas fases e questões centrais: as informações sobre o problema; o desenho; o ensaio; a implementação; o monitoramento e a avaliação da política. É preciso, pois, considerar que atores e instituições interagem no seu processo de elaboração e implementação.

Nessa perspectiva, temos, no Brasil, diferentes atores e instituições envolvidos nessa arena de onde emanam as políticas públicas. A Constituição Federal de 1988 considera o Brasil uma República Federativa que se constitui pelo princípio da cooperação e da união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal. Conforme Cury (2015, p. 19), a Constituição Federal de 1988

faz uma escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado onde se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões. Por isso mesmo a cooperação exige entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a abertura de arenas públicas de decisão.

Considerando esse regime de colaboração e de cooperação entre os entes federados, é possível perceber como a elaboração de políticas públicas no nível nacional torna-se   indutora de políticas nos municípios.  Para Nunes (2015), uma política pública indutora é aquela que conta com o apoio da União, por meio de programas e projetos, aos demais entes da federação, com vistas à consecução de determinados objetivos. De acordo com Nunes,   Corsino e Didonet (2011, p. 16),

a união tem a competência de formular as diretrizes, a política e os planos nacionais e prestar assistência técnica e financeira aos estados e municípios, na medida de suas necessidades. Os estados têm a competência de elaborar diretrizes e normas complementares, além de prestar assistência técnica e financeira aos municípios do seu território.

No contexto das políticas públicas para a Educação Infantil no Brasil, é preciso considerar que muitos atores e instituições são envolvidos na busca por formular políticas para o seu pleno desenvolvimento, além do fato de que a instituição dessas políticas se dá a partir de interesses e disputas representadas pelos grupos que as constituem.

Ao analisar a trajetória da política para a Educação Infantil no Brasil, é possível constatar que sua expansão tem ocorrido de forma crescente nas últimas décadas, revelando que a sociedade está mais consciente acerca da importância das experiências nessa etapa da educação. A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) anunciou um novo caminho para as políticas públicas para a Educação Infantil, quando iniciou o processo de transferência de responsabilidade do atendimento de educação e cuidado da primeira infância para a área da Educação. Assim, a referida Constituição introduziu um marco regulatório, ao estabelecer políticas públicas universais, trazendo, em seu bojo, a concepção de criança cidadã e de sujeito de direitos, dentre eles, o direito à educação. Portanto, em se tratando de política pública de educação no Brasil, pode-se afirmar que a criança tem um lugar central, sendo compreendida como cidadã e sujeito de direitos à educação desde o seu nascimento.

Nunes, Corsino e Didonet (2011) produziram um extenso material pontuando como se deu a constituição da Educação Infantil no Brasil a partir da opção do país por integrar o atendimento da primeira infância ao setor da Educação. Esses autores apontam que o primeiro período dessa história caracterizou-se por importar modelos europeus de atenção à criança segundo os quais, para os filhos de mães trabalhadoras e para as crianças desamparadas,  era oferecida a creche e, para as classes mais abastadas,   o jardim de infância. . Assim, a história, nesse momento, já anunciava um movimento dicotômico do atendimento à infância: a creche tendo um caráter assistencial e os jardins de infância, um caráter educacional.

O período compreendido entre 1986 e 1996 é caracterizado por uma nova base conceitual e jurídica para a Educação Infantil.  Nesse cenário, conforme já discutido, um importante marco legal foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o direito à educação das crianças de 0 a 5 anos como dever do Estado, sendo efetivado por meio das políticas de educação dos municípios, em regime de colaboração com os estados e a União. A Constituição retrata um novo processo social e político que traz a construção de uma nova visão sobre a criança. Isso se deu depois de um período de intensa mobilização e participação social após vinte anos de ditadura no Brasil. A Constituição promulgada aponta,  em seu artigo 208, inciso IV, que o Estado tem o dever de garantir a Educação Infantil às crianças de até 5 anos A Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006a), estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e dispõe sobre a duração de 9 (nove) anos para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. em creches e pré-escolas (BRASIL, 1988). O fato de considerar a criança como sujeito de direitos e de inserir a creche no capítulo da educação constituiu-se, sem dúvida, como um avanço na Constituição.

Em 1990, é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), que reafirma essa nova concepção de criança cidadã na sociedade brasileira, contradizendo o discurso paternalista e assistencialista do antigo Código de Menores. O estatuto propõe uma doutrina de proteção integral da criança, buscando garantias que ela  tenha acesso à creche e à pré-escola, recebendo uma educação integral de qualidade.

Um novo e importante capítulo da história da Educação Infantil foi escrito a partir da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9394/96 (BRASIL, 1996) que  regulamentou a Educação Infantil como uma etapa de ensino integrante da Educação Básica, prevendo o atendimento às crianças em creches (0 a 3 anos de idade) e pré-escolas (4 e 5 anos). A LDB colocou em evidência a educação das crianças pequenas na passagem do século XX para o XXI com muitos avanços conquistados para essa etapa. Entre esses avanços, podemos destacar a formação específica dos profissionais para atuar na Educação Infantil, assim como a  determinação de que as creches fossem integradas aos respectivos sistemas de ensino.

A partir de 1996, com a inclusão da Educação Infantil no âmbito da Educação Básica, os direitos das crianças de 0 a 5 anos são ampliados, o que implicou a adoção de novas políticas pelo Ministério da Educação (MEC). A Coordenação Geral de Educação Infantil (Coedi), que integra a Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação,  tem por responsabilidade subsidiar a formulação da Política Nacional de Educação Infantil, prestando assistência técnica aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios no que se refere ao atendimento dessa etapa educacional.. Suas ações são pautadas nas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Plano Nacional de Educação e no Plano de Desenvolvimento da Educação. Muitas são as publicações e orientações da Coedi no sentido de assegurar a indivisibilidade da Educação Infantil com a integração entre creche e pré-escola, assim como a inter-relação entre o educar e o cuidar nas práticas com as crianças As diversas publicações da Coedi para a Educação Infantil estão  disponíveis no site do MEC no endereço eletrônico: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/publicacoes?id=12579:educacao-infantil.

Em 2009, é publicada uma revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2009), dando ênfase e reforçando a articulação entre educar e cuidar nas práticas com crianças da creche e pré-escola.

É fundamental salientar que toda essa dinâmica do processo que envolve a elaboração de políticas públicas para a infância é sempre marcada por disputas de projetos que atuam nos campos educacionais, econômicos e ideológicos. Aquino e Vasconcellos (2012) destacam que muitas das ações que buscam atender aos direitos das crianças pequenas são decorrentes de demandas da população, de movimentos sociais como os fóruns de Educação Infantil (MIEIB), assim como da militância e da produção acadêmica de pesquisadores da área. Nesse embate também estão presentes órgãos ligados ao governo e a organizações internacionais.

No caminho desse novo ordenamento legal, a Educação Infantil ganha um novo capítulo com a recente publicação da Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013 (BRASIL, 2013), que introduziu mudanças significativas nessa etapa da educação e vem provocando debates na área. De acordo com a lei, a Educação Básica passa a ser obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade. Essa mudança, que traz impactos para a estrutura e a gestão da Educação Infantil, vem chamando a atenção de estudiosos da área para os desdobramentos decorrentes dessa nova configuração do ensino obrigatório. Os que defendem essa proposta o fazem sob uma ótica de divulgação e de reafirmação de um direito já garantido anteriormente. No entanto, esse argumento tem gerado questionamentos acerca das peculiaridades da Educação Infantil e uma possível "escolarização precoce" das crianças, fatores esses que são preocupantes.

Outro fato que requer atenção em relação à obrigatoriedade a partir dos 4 anos de idade diz respeito à forma de atuação dos gestores municipais que podem diminuir a oferta de vaga para as crianças de 0 a 3 anos na tentativa de conseguir atender à demanda da etapa obrigatória, ou seja, da pré-escola. Historicamente, a creche configura-se com o maior déficit de atendimento referente às orientações e metas estabelecidas pelas políticas nacionais. Assim, essa nova configuração da obrigatoriedade de ensino pode caminhar para lógicas distintas. De um lado, políticas que buscam assegurar a universalização do atendimento para as crianças de 4 e 5 anos e, do outro, políticas focalizadas e compensatórias para as crianças de 0 a 3 anos.

Ainda considerando o atual debate sobre as mudanças na legislação e a escolaridade obrigatória, a aprovação do novo Plano Nacional de Educação – PNE -  (BRASIL, 2014) também apresenta orientações para educação das crianças pequenas. O projeto de lei do novo PNE, que entrou em vigência no dia 26 de junho de 2014, norteará o campo da educação nas esferas municipais, estaduais e federal nos próximos 10 anos. O PNE, que se apresenta como uma referência na garantia de uma educação pública de qualidade, propõe metas e estratégias que orientarão as políticas da educação para o próximo decênio. O projeto traz consigo concepções de educação e de infância que servirão como orientação para as ações na área educacional, reforçando o direito das crianças à educação desde o nascimento.

A Educação Infantil é contemplada na meta 1 do novo PNE que propõe "universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE". Para essa meta, o PNE estabelece 17 estratégias de ação. Contudo, pesquisadores da área veem com preocupação essas medidas legais, principalmente no que diz respeito à meta 1, que trata da universalização do direito e da obrigatoriedade para as crianças de 4 e 5 anos, alertando que esta pode se dar sob o signo da fragmentação das áreas da primeira infância. É preciso atentar  para a presença de projetos antagônicos que promovem a cisão entre a creche e a pré-escola nesse documento (CAMPOS e CAMPOS, 2012). Além disso, a estratégia 7 da meta 1, ao propor "articular a oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como entidades beneficentes de assistência social na área de educação com a expansão da oferta na rede escolar pública", pode passar pelo viés assistencialista, descaracterizando a função educativa da creche.

Nunes e Kramer (2013) destacam que a inserção da Educação Infantil na Educação Básica contribuiu para reverter uma desigualdade histórica da educação brasileira. No entanto, as pesquisadoras alertam que os dados mostram que avanços ocorrem no que diz respeito à expansão do atendimento da faixa etária de 4 e 5 anos, ficando as matrículas das crianças na creche muito aquém das metas estabelecidas pelas políticas.

Uma importante ação que está sendo desenvolvida pelo MEC refere-se à incorporação da Educação Infantil nas discussões da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC é uma estratégia já estabelecida no PNE com objetivo de melhorar a Educação Básica brasileira. Assim, essa discussão irá corroborar para que essa nova concepção sobre como cuidar e educar as crianças de zero a cinco anos nas instituições de Educação Infantil se efetive e se fortaleça.

Para finalizar esse breve histórico das políticas para Educação Infantil, o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) apresenta-se como mais uma ação no âmbito das políticas públicas federais para a educação, podendo ser considerado um movimento para a expansão dessa etapa da Educação Básica nos municípios.

No contexto nacional, o ano de 2007 foi marcado pela criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pelo Governo Federal. O referido plano apresentou um conjunto de programas a serem implementados pelo governo com intuito de melhorar a qualidade da educação brasileira. Ainda em 2007, o governo promulgou o decreto nº 6.094 (BRASIL, 2007) que trouxe em seu bojo mudanças importantes para a educação brasileira. O referido decreto, em seu capítulo I, trata do Plano de Metas e Compromisso Todos pela Educação que instituiu, em seu artigo 1º,  que o plano é a conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da Educação Básica. Nessa trajetória, é instituído o Plano de Ações Articuladas (PAR) que agregou todos os programas do MEC, incluindo a participação dos municípios.

O programa Proinfância, que foi lançado junto com as ações do PDE, no ano de 2007, pelo Governo Federal, pretende ampliar a oferta de vagas na primeira etapa da Educação Básica a partir do repasse de recursos federais para construção de novas unidades de Educação Infantil e aquisição de equipamentos. Está em consonância com as metas do Plano Nacional de Educação (2014-2024), buscando contribuir para a expansão do direito à Educação Infantil, ao ampliar a oferta de vagas na rede pública. Isso se justifica porque, conforme já discutido no decorrer deste texto, a Educação Infantil atravessa um momento importante de debate no meio acadêmico e político em que um novo ordenamento legal apresenta proposições e desafios para essa etapa da Educação Básica em nosso país.

Na seção a seguir será apresentado o resultado de um estudo relativo ao "Estado da Arte" sobre o Proinfância,  demonstrando o que as pesquisam apontam sobre a implementação desse programa em diferentes municípios do Brasil e as relações entre atores e instituições nesse processo.

O ESTADO DA ARTE E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE O PROINFÂNCIA: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE UM PROGRAMA EM IMPLEMENTAÇÃO

Tendo como objetivo fazer um mapeamento do conhecimento já produzido sobre o programa Proinfância, foi realizado um levantamento do "Estado da Arte", buscando  compreender os aspectos, as dimensões e as concepções que vêm sendo abordadas sobre a temática nos diversos estudos realizados.  Assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica  acerca da temática considerando, para efeito de levantamento, as publicações realizadas a partir de 2007, ano em que o programa Proinfância foi instituído pelo Governo Federal. Para consulta, foi realizado um levantamento das teses e dissertações disponíveis no Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), assim como dos artigos publicados no banco de dados do Scientific Eletronic Library (SCIELO). Também foi realizada uma pesquisa dos trabalhos publicados na Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED),  no Grupo de Pesquisa sobre Crianças e Infâncias (GRUPECI) e na Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE). A palavra chave utilizada para a busca em todos os artigos, teses e dissertações foi Proinfância.

Na pesquisa realizada no portal da CAPES, foram localizadas duas dissertações (RAMOS, 2010; MARCONDES, 2013) que abordavam a temática do Proinfância. No banco de dados do SCIELO não foi encontrada nenhuma produção sobre o programa no período delimitado. É importante ressaltar que, em alguns artigos desse banco de dados, o Proinfância é citado, mesmo que de forma menos aprofundada, como uma ação do governo federal no sentido de colaborar com os municípios em uma política de expansão da oferta de Educação Infantil.

No site da ANPED, no período compreendido entre 2007 e 2015, foi realizada consulta nos GT05 (Estado e Política Educacional)  e GT07 (Educação de crianças de 0 a 6 anos),  não tendo sido  encontrado nenhum artigo que tratasse especificamente do tema, embora, em alguns trabalhos, o Proinfância tenha sido citado como uma ação do governo presente nas relações federativas na regulamentação da assistência financeira da União para a Educação Básica. 

Em consulta realizada nos anais das quatro edições já realizadas do GRUPECI  no último encontro, realizado em 2014, foram localizados cinco trabalhos (RICCI, 2014; ALMEIDA e TAVARES, 2014a; GOMES, 2014; SANTOS, 2014; BRASIL, 2014).     Nos anais da ANPAE disponibilizados no site da associação, no período pesquisado, também foram mapeados cinco trabalhos (FLORES e MELLO, 2012; SIMÕES e LINS, 2013; CRISTOFOLI, 2014; ALMEIDA e TAVARES, 2014b; SÁ e WERLE, 2015).

A leitura dos trabalhos realizados nessa pesquisa bibliográfica possibilitou  visualizar a narrativa da produção, acadêmica encontrando pontos convergentes entre as pesquisas. Na construção dessa história da produção acadêmica, destaca-se a centralidade que a Educação Infantil tem apresentado nas políticas públicas. Tendo como pano de fundo das discussões a expansão da Educação Infantil a partir da Lei nº 12.796 (BRASIL, 2013) e do PNE (BRASIL, 2014), o programa Proinfância é considerado uma importante ação do governo como uma política indutora de colaboração entre os entes federados para melhoria e expansão da rede física das instituições de Educação Infantil. Nessa trajetória, os estudos publicados apontam entraves e perspectivas na implementação desse programa cujos  aspectos macro e micro são analisados em diversas cidades do Brasil.

Considerando os aspectos relacionados ao macrocontexto do programa, foi unânime a importância do Proinfância como uma ação do governo federal para expansão da Educação Infantil nos municípios, através de financiamento para construção de novas instituições. Alguns trabalhos discorreram sobre as dificuldades geradas pela proposta de um projeto-padrão e as reais necessidades dos usuários a partir de uma diversidade vivenciada nos contextos dos entes federados. Analisando a reverberação do programa nos microcontextos, muitos trabalhos buscaram compreender os impactos da implementação do programa pelos municípios sob a ótica de que há uma ressignificação da política quando implementada em contextos específicos. Com relação aos entraves na implementação do programa, as pesquisas revelam dificuldades nos aspectos relacionados à burocracia e na estrutura organizacional dos municípios. Apesar da estratégia eficaz do governo federal para a efetivação do direito à Educação Infantil a partir de uma aplicação razoável de recursos para a construção e aparelhagem de novas instituições nos municípios, é preciso que estes estejam organizados para as despesas com a manutenção e o pagamento de profissionais, já que, conforme a legislação define, é competência dos municípios oferecer essa etapa da educação. Fica claro, portanto, que essa previsão orçamentária deve ser prioridade para os municípios, que devem estar atentos para as metas propostas no atual Plano Nacional de Educação.

Os trabalhos que optaram por uma investigação qualitativa das práticas empreendidas nas instituições do Proinfância já em funcionamento apontaram que, apesar do investimento na área das produções acadêmicas atuais  e das orientações e diretrizes realizadas pelo Ministério da Educação, as ações políticas e pedagógicas encontram-se de forma desarticulada, o que ainda não reverbera de forma satisfatória nas práticas empreendidas junto às crianças.  A falta de identidade do trabalho na Educação Infantil, com a fragmentação entre as concepções e as práticas da creche e pré-escola, a pouca preocupação e investimento dos gestores municipais na constituição de carreira específica e formação para os profissionais são sérios problemas que precisam ser superados.  Ao observar as práticas nos contextos, fica evidente o quanto o trabalho realizado na pré-escola pauta-se em modelos do Ensino Fundamental, revelando a falta de identidade dessa etapa da educação. Por outro lado, também a proposta realizada com as crianças da faixa etária da creche demonstra a dificuldade dos profissionais em articular ações de educação e cuidado, revelando uma lacuna na formação dos profissionais que atuam principalmente com os bebês.  Isso acarreta práticas equivocadas e desalinhadas com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2009) e com as demais propostas produzidas pelo Ministério da Educação. 

O mapeamento dos trabalhos evidenciou que, no processo de implementação do programa pelos municípios, surgem demandas que vão muito além de uma transferência de recursos através de uma política de cooperação entre os entes federados.  Não há dúvidas de que o programa representa avanços na expansão da Educação Infantil,  mas é necessário pensar na possibilidade de que ele também seja um indutor de práticas pedagógicas alinhadas com os estudos e as produções mais atuais da área.  Pesquisas realizadas em alguns municípios trazem a perspectiva de que o Proinfância mobilize ações nos contextos, ao fomentar reflexões sobre propostas e práticas pedagógicas com as crianças. A possibilidade de ações de assessoramento e acompanhamento dos municípios que aderiram ao Proinfância via MEC também foi apontada como um movimento na implementação de novas políticas para Educação Infantil nos contextos.

Se pensarmos na necessidade que a expansão da Educação Infantil via programa Proinfância esteja atrelada a  propostas de trabalho com qualidade, torna-se evidente e necessário superar a visão assistencialista que historicamente acompanha a Educação Infantil, assim como romper com a visão preparatória para o Ensino Fundamental. A Educação Infantil deve ter seu lugar e sua identidade própria. Os novos centros de Educação Infantil financiados através do programa Proinfância devem ir além da construção de prédios bonitos e espaçosos, usados, muitas vezes, como propaganda pelos governos federal e municipal. Mais do que isso, é preciso que esse programa seja o mote para a elaboração de propostas pedagógicas coerentes e alinhadas com os atuais estudos sobre o desenvolvimento das crianças e no respeito às suas infâncias, reverberando em ações de educação e cuidado, que devem ser indissociáveis, e que realmente sejam significativas para os profissionais e para as crianças. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos marcos legais e dos documentos orientadores, evidencia-se que a Educação Infantil vem sendo reconhecida como direito das crianças. Em que pese o fato de as crianças pequenas terem ganhado visibilidade no contexto das políticas públicas, é preciso clareza em relação à educação que queremos para elas. Para além do estabelecimento de uma política de expansão da Educação Infantil, é mister acompanhar o processo de implementação dessas políticas junto aos municípios, tendo também um olhar para a qualidade do atendimento a ser oferecido. A garantia da democratização e a universalização do acesso devem vir acompanhadas da necessária articulação entre as políticas públicas para a infância e a importância da efetivação do regime de colaboração entre os entes federados.

A recente política de ampliação/melhoria do atendimento a ser consolidada via implementação de políticas públicas federais, por meio  da transferência de recursos do programa Proinfância para os municípios, tem sido um importante marco como uma política indutora da expansão da Educação Infantil. No entanto, muitos entraves são verificados, principalmente aqueles que se referem à gestão das instituições construídas com recursos do programa Proinfância, à carreira para os profissionais que atuam com as crianças pequenas e as práticas desenvolvidas com as crianças.

Para além da ampliação e da garantia do acesso à Educação Infantil, é necessária a consolidação de concepções e práticas de qualidade junto às crianças pequenas. Isso  se faz por meio  de políticas articuladas,  de ações conjuntas e colaborativas, de uma construção coletiva que envolva gestores,  professores, comunidade, pesquisadores e crianças. Questões que perpassam  o financiamento, a formação de professores e seu necessário investimento em uma carreira para os profissionais que atuam na Educação Infantil são centrais e imprescindíveis, se quisermos continuar avançando  nas políticas públicas para a infância. 

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