TORNAR-SE PROFESSOR NO ENSINO SUPERIOR: CAMINHOS, PROCESSOS E DESAFIOS

Resumo: O artigo reflete sobre os caminhos, processos e desafios que o “ser professor” nos traz enquanto profissionais que buscam desenvolver uma prática docente, de modo especial no Ensino Superior. A partir de uma pesquisa bibliográfica, discute a atuação docente, num contexto histórico-social, considerando o processo de formação do professor. Busca compreender o papel desse profissional, como um ato educativo em sua complexidade e subjetividade, numa relação de mediação com seu aluno, no espaço universitário. As reflexões apresentadas nos permitem concluir que questionar sobre nossas práticas a partir da história de vida pressupõe um trabalho de continuidade, de crescimento pessoal e profissional que pode influenciar no fazer pedagógico do professor no exercício de suas atividades.

Palavras-chave: Educação; Ensino Superior; Professor.


INTRODUÇÃO

Este artigo pretende situar o movimento da formação de professores, considerando a história da educação, analisando os atributos do professor para uma prática pedagógica que proporcione ao aluno uma aprendizagem reflexiva, especialmente no Ensino Superior. Propõe a reflexão sobre a importância das práticas educativas dos professores e sua identificação com suas atividades profissionais, que é relevante para a efetivação de uma aprendizagem reflexiva aos envolvidos no processo de ensino.

Essa trajetória permitirá compreender os processos de existência e vida da profissão docente, que refletirá na construção e reconstrução do papel desse profissional, conforme suas experiências, percursos formativos e profissionais, com o propósito de re-significar ou ressignificar?, a partir da história de vida o “ser professor” vinculado com a ação docente no contexto universitário.

O interesse pelo objeto de estudo surgiu das nossas práticas cotidianas do trabalho desenvolvido como docente há 10 anos em cursos de Ensino Superior e que tem provocado indagações quanto a relação da história de vida do professor ao escolher seguir essa profissão e suas implicações na sua prática pedagógica. E no decorrer das reflexões propostas na disciplina de doutoramento “História do ensino de arte no Brasil: do modernismo à contemporaneidade”, mediada pela professora Dra. Rejane Galvão Coutinho, essas questões vieram à tona, ao refletirmos sobre as experiências de vida e formação. A história de vida, memórias, narrativas implicadas no contexto histórico e social dos professores possibilitam um olhar sobre o passado e sobre o tempo instituído, o que pode contribuir na construção de sentidos e significados da realidade vivida (SOUZA, 2007).

Assim, o objetivo desse artigo é apresentar num contexto histórico-social as evoluções dessa prática a partir do resgate da história de vida e da profissão do professor e sua identificação com o ser docente, enfatizando a mudança do papel do professor para uma aprendizagem reflexiva direcionada ao aluno.

A PROFISSÃO DOCENTE E UM BREVE PERCURSO HISTÓRICO

Para discorrer sobre a prática reflexiva do professor, destacando sua formação e compreender a historicidade do papel desse profissional no contexto em que hoje ele está inserido, é necessário resgatar a história, as transformações ocorridas, a partir dos fatos experienciados por ele e a função da escola na sociedade.

Sabe-se que a escola originou-se a partir de uma necessidade social, segundo Nóvoa (1968) em busca de uma transformação coletiva e individual. Passou a ser vista, após muitos anos, como um espaço de permanente criatividade. Nesse contexto, surge a figura do professor, considerado inicialmente “apóstolo” para atuar como educador, com a função de ensinar. O exercício desse profissional é central na configuração da escola, visto que ela representa um sentido cultural e social para o sujeito. Inicialmente, o professor procurava cumprir sua missão, sem uma formação específica, apenas como um transmissor de conhecimento. Com o avanço da sua historicidade, conquistada por meio de movimentos sociais da classe docente, essa função foi ganhando outras dimensões e conceitos. O ato de ensinar se dava por meio de uma leitura mais pedagógica.

Assim, a profissão docente é marcada por uma construção histórico-social em permanente transformação, conforme as exigências e contextos, sendo que nas últimas décadas as discussões sobre a história e formação dos professores tem se intensificado. Para Veiga (2005) ao abordar essa temática que retrata a profissão docente, faz-se mister demonstrar a multiplicabilidade de manifestações que fizeram história.

Num processo de construção e reconstrução histórica, o professor ao se profissionalizar, sofreu a desprofissionalização, que resultou em uma crise de identidade, marcada por vários fatores, como as condições precárias para o exercício da profissão, deficiência de materiais e espaços físicos adequados, falta de autonomia, salário baixo, entre outros.

Vale lembrar que desde o século XV, o exercício da prática profissional docente estava vinculado à Igreja. Segundo Nóvoa citado por Veiga (2005, p. 20)

a prática profissional do professor veio se constituindo com base na iniciativa de um mestre leigo, vinculado à organização paroquial, financiado de maneira diversificada pela comunidade e que tinha o magistério como apenas uma das atividades cotidianas, nem sempre sendo a principal.

Nessa época, ainda não havia um contexto definido para realizar o ato de ensinar. As aulas aconteciam nas residências dos próprios mestres. O trabalho era isolado, o ensino individualizado sem nenhuma formação, conforme apontado anteriormente. Posteriormente, com a expulsão dos jesuítas em 1759, a educação passa a ser de responsabilidade do governo monárquico. Temos então o início da laicização do ensino.  

A partir de 1889 na Constituição Republicana, o Estado juntamente com os municípios passa a assumir uma responsabilidade com essa profissão, surgindo então o “professor-funcionário público”. Daí, segundo Schueler (2005), originam-se formas estatais e hierarquizadas de profissionalização com a introdução de novos saberes científicos e das novas escolas de formação de professores. As Escolas Normais surgem com o objetivo de substituir os mestres leigos pelo novo professor, este agora com um conhecimento especializado para promover o ensino. 

Tal fato marcou a institucionalização da formação docente no Brasil segundo Villela (2000), por meio do surgimento das primeiras escolas normais provinciais, originando os primeiros decretos, mudanças e reformas curriculares. Esse período ficou registrado por avanços e retrocessos, diante das reformas, criações e extinções de escolas normais. Tudo isso contribuiu com a chamada desprofissionalização, descrita anteriormente, mas também assegurou aos professores um estatuto sócio-profissional.

Nesse contexto histórico, concursos para contratação de professores ocorreram, no qual era exigido um perfil de acordo com os critérios de seleção, que nessa época ainda era superficial. Bastava saber ler, escrever e contar, como também apresentar uma carta de idoneidade sobre sua moral.  Isso refletia numa desqualificação do professor, gerando uma fragilidade da classe (LOPES et al, 2000).

As mudanças que aconteceram com relação a profissão docente, até então, favoreceram condições para a criação das primeiras associações de professores, em busca de um reconhecimento da classe, considerada segundo Villela (2000), uma etapa do processo de profissionalização docente, o que reflete entre outros fatores, num trabalho mais coletivo, objetivando uma identidade profissional.

Já no final do século XIX e início do século XX surgiu a Escola Nova, com uma nova proposta pedagógica que vai além do ensino tradicional. A ação era mais pedagógica, buscando garantir um ensino mais ativo, associado a outras disciplinas como a psicologia, biologia, sociologia, em que era priorizada a importância de compreender o outro no processo de aprendizagem, nesse caso o aluno. Mas, também era necessário conhecer o professor, respeitando suas necessidades e interesses. Assim, ele teria mais condições de ensinar as pessoas para os desafios do novo tempo. Dessa forma, passou-se a exigir outras competências do professor, para atuar no ambiente educacional, como formação especializada, compreensão do conhecimento, trabalho interdisciplinar em equipe, responsabilidade, autonomia, criatividade, organização, conhecimento de recursos tecnológicos, postura ética, capacidade de relacionamento interpessoal, entre outros.

Então, a revitalização da escola normal; as reestruturações curriculares das escolas normais e dos cursos de pedagogia Lopes et al (2000); com a inserção de novos cursos de formação de professores também para o nível superior; bem como, a aprovação das Leis de Diretrizes e Bases, a qualidade do ensino foi melhorando e o conceito de professor ganhou novas significações. Isso fez com que surgissem cursos de aperfeiçoamento para a profissão docente, diante da ampliação das escolas que necessitavam de profissionais mais preparados para atenderem a demanda. 

É importante ressaltar que nesse cenário da história da educação surge a necessidade de uma educação que se preocupasse de fato com o processo de ensino e aprendizagem como um todo, com a formação integral do sujeito, por meio de novos modelos de comunicação, que fundamenta e instrumentaliza a estratégia didática. Um processo que possibilite uma influência mútua entre recursos didáticos, professor e aluno, para uma educação interativa, que compõem os cenários dos dias de hoje.

Esses movimentos históricos caracterizam a luta pelo reconhecimento da profissão docente, em busca de condições de trabalho e de vida, bem como de melhoria da qualidade do processo educativo. Essas discussões históricas são de grande importância para as análises e atuações no momento atual do professor, a fim de buscar reflexões sobre o papel desse profissional no processo de ensino e aprendizagem, que deve transpor de um mero transmissor de conhecimento para mediador. Passando o professor a constituir novos fazeres na sua prática docente com o intuito de melhorar a aprendizagem atribuída a uma forma reflexiva. Porém, essa prática docente depende não só das questões histórias do processo de formação docente, mas também da identificação desse professor com a profissão que escolheu para trabalhar.

O declínio da profissão docente está relacionado ao fator econômico, desvalorização salarial, mas também a construção de identidade profissional, à dignidade, desprestígio social, o que reflete segundo os autores a uma crise de identidade dentro de um conflito social (LÜDKE; BOING, 2004). Essa crise afeta o professor  de forma negativa, não somente enquanto docente, mas também enquanto sujeito  com personalidade, sentimentos e emoções que compõem sua vida. A precarização e a desvalorização da profissão o abalam, e confirmando-se refletindo então, no que foi descrito por Lüdke e Boing (2004, p. 166), “a precarização docente pode estar repercutindo sobre a construção da identidade de nossos professores”. Isso remete a necessidade de buscar sua história de vida  para então, pensar  sobre sua prática e o reflexo desta prática  na aprendizagem do aluno.

2. O DESPERTAR DA PROFISSÃO A PARTIR DO RELATO DA EXPERIÊNCIA: UMA NARRATIVA DA HISTÓRIA DE VIDA DO PROFESSOR

Josso (2007) acredita que refletir sobre a questão da identidade, numa perspectiva existencial, inspira-nos para a criação e recriação de sentido para nós mesmos, consentindo-nos pôr em destaque as nossas diversidades, fraquezas e também a mobilidade de nossas identidades ao longo da vida. Ela acrescenta que fazer essa reflexão é possível a partir do resgate da história de vida que é “uma mediação do conhecimento de si em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor oportunidades de tomada de consciência sobre diferentes registros de expressão e de representações de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam sua formação” (JOSSO, 2007, p. 419). Essas reflexões se tornam possíveis por meio de narrações de histórias de vida que podem despontar formas e sentidos da nossa existencialidade profissional.

Diversos estudos têm sido desenvolvidos no campo educacional a partir das histórias de vida dos professores. Pesquisas apontam que trabalhos, fruto de escritas narrativas com base nas histórias de vida, têm contribuído com reflexões sobre formação e auto-formação na área educacional. Com isso, segundo Souza (2007), esse recurso metodológico possibilita a compleição do trabalho docente a partir dos diferentes aspectos de sua história: pessoal, profissional e organizacional. Falar e escrever sobre essas experiências formadoras é fazer aparecer diversas possibilidades sobre a formação a partir do vivido até o momento presente.

Nesse sentido, Souza (2007, p. 60) assevera que as escritas por meio das autobiografias, história de vida podem ser úteis ao “traduzir os sentimentos, representações e significados individuais das memórias, histórias e relações sociais com a escola.” E assim, torna-se possível refletir sobre a prática pedagógica do professor, sobre os elementos potencializadores que pode desenvolver em sala de aula, para uma aprendizagem reflexiva. Refletir sobre a nossa prática docente é buscar historicamente como tudo começou. O “ser docente” não pode incidir de ausência de experiência, mas do pensar sobre essa experiência a partir da reflexão do sujeito sobre si mesmo, conforme Larrosa (2015) destaca em seu livro “Tremores”, no qual trata  sobre experiência e suas linguagens com o foco na educação, no campo pedagógico.

Pensar sobre si mesmo, por meio da atividade profissional, das histórias que nos constituem, dos encontros e desencontros pessoais, sociais, culturais e políticos, significa  nos permitir construir e reconstruir nossa identidade, possibilitando uma transformação e construção de uma subjetividade autêntica. Isso nos traz significados dos atos em diferentes tempos e espaços e novas aspirações, se analisados em termos de aprendizagens existenciais, instrumentais, relacionais e reflexivas (JOSSO, 2007).

Dessa maneira, os relatos de vida relacionados com a escolha da profissão, nos permitem pensar em projetos para o futuro, em novos recursos e estratégias pedagógicas a partir de um olhar dos caminhos, experiências e processos vivenciados na prática docente (JOSSO, 2007; SOUZA, 2007). Uma vez que, o sujeito (autor e coautor da sua própria história) quando produz conhecimento de si mesmo, poderá ter mais possibilidades de reconhecer seu cotidiano e se questionar sobre suas experiências formadoras; o percurso desenvolvido refletindo sobre as implicações dessas experiências, das suas ações enquanto  professor e a relação que isso tem  com o processo de aprendizagem do seu aluno.

Josso (2007, p. 414) aponta que as narrativas das histórias de vida centradas na formação, podem nos permitir “estabelecer a medida das mutações sociais e culturais nas vidas singulares e relacioná-las com a evolução dos contextos de vida profissional e social”. Essas reflexões põem em confronto a questão da construção identitária sobre a formação profissional, pois nos remetem as facetas, dimensões do nosso ser no mundo, das nossas memórias e registros; das competências e limitações.

Essas discussões e possibilidades, segundo o olhar de Josso (2007) e Souza (2007), representam novas perspectivas de uma prática metodológica original e epistemológica que favorecem o acesso real aos sentidos e significados na nossa existência singular e plural no campo educacional. Consequentemente, poderemos ratificar o processo dinâmico do ser-sujeito da formação, refletindo sobre o querer, o poder ser e o vir-a-ser no âmbito profissional.

O conjunto dessas facetas do processo de formação, abordadas sob o ângulo da experiência vivida e refletida numa história escrita pelo ser-sujeito, constitui uma contribuição para a abordagem globalizadora e dinâmica da construção de si como uma disponibilidade constante à existência e, assim sendo, uma atenção consciente ou uma escuta sensível ao que se manifesta de nossa existencialidade no tempo presente (JOSSO, 2007, p. 424. Grifos no original).

Assim, pode-se contribuir na compreensão do exercício da profissão, no cotidiano escolar e uma possível redefinição da prática. E sobre isso, o próximo tópico nos faz refletir.

3. A EXPERIÊNCIA DOCENTE E A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

Para Kenski (2003), a escola é um espaço de permanente criatividade e sua aura depende fundamentalmente de seus atores com suas múltiplas e diferenciadas linguagens. A autora afirma que as possibilidades de encontro e de trocas no ambiente escolar, devem extrapolar os limites da sala de aula.

Nesse sentido, é importante que os professores busquem uma tomada de consciência a respeito do seu papel diante da realidade histórica, social e cultural que implica na subjetividade do agir.  Quando se pensa em uma prática reflexiva, não há como desconsiderar a complexidade humana e a sua subjetividade que emerge no processo de ensino e aprendizagem e na constituição histórica de todos os sujeitos.

Essa subjetividade, segundo González Rey (2004, p.137) reflete em uma integração dos complexos processos e formas de organização psíquica envolvidos na produção de sentidos subjetivos, que estão associados aos valores, culturas, sentimentos do ser humano. Para ele, “a subjetividade se produz sobre sistemas simbólicos e emoções que expressam de forma diferenciada o encontro de histórias singulares de instâncias sociais e sujeitos individuais, com contextos sociais e culturais multidimensionais”.

Assim, pensar na criação simbólica que o professor faz diante das aulas, dos recursos pedagógicos utilizados por ele, é de fundamental importância para a construção de novos saberes e para a promoção de uma aprendizagem reflexiva que provoque uma transformação na vida dos alunos e consequentemente, da sociedade. Principalmente, quando esse fazer pedagógico tem relação com a experiência do professor e vínculo com sua história de formação. Uma vez que ao reviver nossas sensibilidades, subjetividades, construímos e reconstruímos sentidos, dando significado a nossas experiências. Por isso, refletir sobre o trabalho docente, considerando os aspectos da história, tanto pessoal (origem das escolhas) quanto profissional (como os caminhos percorridos), numa tomada de consciência pode nos levar a “reconhecer os saberes construídos pelos professores, no seu fazer pedagógico diário [...]” (SOUZA, 2007, p. 69).

Segundo Larrosa (2015), a experiência deveria possuir um pertencimento aos fundamentos da vida. Ele destaca que experiência é “aquilo que “nos passa” ou que nos toca, o que nos acontece, e, ao nosso passar, nos forma e nos transforma” (LARROSA, 2015, p. 28). Ela está relacionada a paixão, a relação de amor, de liberdade, ao modo como damos sentido àquilo que nos acontece, que é particular, subjetivo.

Para isso, antes de pensar em promover uma aprendizagem reflexiva, o professor deve em sua formação refletir sobre sua prática para que ela também se torne reflexiva. Isso não acontece da noite para o dia, num toque de mágica, visto que a subjetividade humana emerge num contexto de complexidade. Para Josso (2007, p. 422), a aprendizagem reflexiva permite “a construção do saber-pensar nos referenciais aplicativos e compreensivos”. Referenciais esses que dão um novo significado das nossas experiências que podem ser narradas e refletidas. Segundo ela, estudos relacionados ao processo de formação e de aprendizagem podem se realizar a partir da construção da narração histórica da formação, no relato de suas experiências e escolhas, interesses, estimas e pretensões.

As práticas de reflexão sobre si, que oferecem as histórias de vida escritas centradas sobre a formação, comumente se apresentam como laboratórios de compreensão de nossa aprendizagem do ofício de viver num mundo móvel, globalmente não-dominado e, no entanto, parcialmente dominável na medida das individualidades, que se faz e se desfaz sem cessar e que põe em cheque a crença em uma ‘identidade adquirida’, em benefício de uma existencialidade sempre em obra, sempre em construção (JOSSO, 2007, p. 431. Grifos no original).

E segundo Perrenoud (2002), cabe ao professor no exercício do seu ofício propiciar ambientes que possibilitem uma análise da sua prática, refletindo sobre a forma como pensa, decide, comunica e reage como professor, principalmente em uma sala de aula. Além de ter também que trabalhar com a sua própria subjetividade, seus medos, emoções e ações, incentivando o desenvolvimento de si mesmo e da sua identidade. Assim, o professor ao exercer numa prática reflexiva, progride continuamente, pois

[...] a reflexão transformou-se em uma forma de identidade e de satisfação profissional... Um profissional reflexivo não se limita ao que aprendeu no período de formação inicial, nem ao que descobriu em seus primeiros anos de prática. Ele reexamina constantemente seus objetivos, seus procedimentos, suas evidências e seus saberes. Ele ingressa em um ciclo permanente de aperfeiçoamento, já que teoriza sua própria prática, seja consigo mesmo, seja com uma equipe pedagógica [...] (PERRONOUD, 2002, p. 43-44).

Nesse sentido, é possível perceber que para o autor, a prática reflexiva é uma condição para enfrentar a complexidade do ato de educar e para lidar com as dimensões éticas de sua prática.

Tal fato reflete uma revolução no plano educacional, como afirma Kenski (2003), pois a preocupação não reside apenas na transmissão de saberes ou na construção de conhecimentos na interioridade dos alunos, mas sim na aprendizagem que pode ser partilhada, que fortalece o diálogo e a troca de comunicação, podendo ser desenvolvido nas equipes de trabalho (professores, alunos) uma verdadeira obra de arte do conhecimento. Isso agregaria sabedoria a todos os que estão inseridos no processo, uma nova cultura educacional, que requer interesse e dedicação, a partir das experiências vivenciadas pelos atores e personagens desse universo de ensino.

Para Freire (1987), é necessário romper com a forma depositária de transmissão, transferência de valores e conhecimentos, em que a relação existente entre professor e aluno não seja de um sujeito narrador, detentor do saber absoluto e pacientes ouvintes.  O mesmo autor ressalta, ainda, a importância de contextualização dos temas ao cotidiano e valores dos alunos. Freire assevera que

somente na comunicação tem sentido a vida humana. Que o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação. Por isto, o pensar daquele não pode ser um pensar para estes, nem a estes imposto (FREIRE, 1983, p. 75).

As propostas da educação  devem se pautar em ações que possibilitem aos alunos oportunidades para alcançar o conhecimento, mediante a comunicação e a interação entre os professores e alunos de forma participativa e colaborativa, com uma linguagem que deve ser múltipla e diferenciada.  Esse é o meio principal para alcançar esse saber, a partir de uma relação de mediação, que supere a mera transmissão do conhecimento.

A comunicação ocupa praticamente o lugar da finalidade do processo pedagógico, ou seja, é por intermédio da mesma que se dá a interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. A aprendizagem reflexiva deve promover uma modificação no comportamento do sujeito, não apenas em acúmulo de informação, mas na orientação de suas escolhas, atitudes, personalidade, na sua objetivação e subjetivação, enquanto indivíduo ativo na sociedade.

Então, é desafio do professor não disponibilizar apenas o recurso de transmissão de conhecimento, mas de subjetivação, de aprendizagem, estimulando o agir, o sentir, o pensar, tornando o aprendente um ser ativo no processo de subjetivação que, segundo Gonzalez Rey (citado porCerqueira 2006), devem estar associados à sua vida cotidiana.

Nesse sentido, o professor deve modificar seu papel de mero narrador, que está vinculado ao ensino tradicional do século XIX,  e privilegiar o diálogo como método de ensino, num processo de mediação que se traduz em uma aprendizagem ativa que traz contribuições aos diversos espaços educacionaisrelacionandoalguns tipos de comunicação possíveis de serem realizadas.

Com isso, o papel dos educadores é o de fazer vir à tona todos os aparatos pedagógicos utilizados por ele, de forma que sejam mediadores do processo de ensinar e aprender dos educandos, promovendo assim, uma aprendizagem reflexiva.

Desse modo, para Zabala (2002, p. 58), a escola deve proporcionar “um conhecimento que seja global, integrador, contextualizado, sistêmico, capaz de enfrentar as questões e os problemas abertos e difusos que a realidade coloca”. Segundo ele, o ambiente escolar deve favorecer um ensino que possibilite ao aluno transição de um pensamento simples para outro complexo, formando cidadãos comprometidos com a melhoria da sociedade. E isso implica em uma educação para a complexidade, numa prática reflexiva, para a promoção de uma aprendizagem também reflexiva.

A partir desse contexto, se percebe que os desafios da docência nos dias atuais devem estar vinculados as questões que envolvem competências, profissionalidade, profissionalismo, profissionalização docente e o saber docente. O professor tem uma grande responsabilidade frente à sociedade no processo ensino e aprendizagem, com a missão de formar cidadãos críticos, autônomos, promotores do seu saber.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se inferir que o estudo em pauta, a partir de uma trajetória histórica e reflexiva da profissão docente, nos faz pensar sobre o ato de ensinar num processo de transformação pedagógica. E quando nos propomos em fortalecer a categoria, oferecer um ensino de qualidade, um dos caminhos é refletir sobre nossas escolhas e ações que desenvolvemos no exercício da profissão.

Percebe-se que inicialmente o professor estava sob influência de uma pedagogia tradicional. Sua prática estava vinculada a um profissional que não se identificava com a profissão e que, na maioria das vezes, severo, rígido, encarregado de transmitir um conhecimento absoluto e inquestionável, na qual  o aluno tinha uma postura mais passiva, sendo este, produto de uma sociedade elitizada.

Já no final do século XIX e início do século XX surge uma nova proposta pedagógica que aborda um processo educativo caracterizado pela busca da transformação social, para uma formação de um sujeito reflexivo, autônomo, autor e co-autor da sua história de vida e do saber.

Dessa forma, o professor deve estar voltado para uma prática reflexiva dentro de um contexto complexo e subjetivo do sujeito e da realidade, a partir da sua história de vida que pode ser resgatada pela sua autobiografia, uma vez que muitos dos saberes adquiridos são provenientes dessa história, que reflete no cotidiano de sua prática pedagógica.

Para isso, faz-se mister que os docentes no espaço universitário ou de qualquer outro segmento, questionem suas práticas com base em sua formação profissional, que pressupõe um trabalho de continuidade, de visão de processo, de crescimento pessoal e profissional tendo como premissa que o seu fazer pedagógico constituirá uma forma de ser do aluno e de si mesmo, constituindo uma cultura. Sabe-se que isso não é fácil, mas é um desafio, que precisa ser encarado por todos os profissionais da área, em busca de uma resignificação do seu ofício, de inovação e atuação pedagógica ativa, criativa, dinâmica apoiado na dialogicidade entre professor-aluno, professor-alunos, aluno-aluno, alunos-alunos.

Portanto, pode-se concluir que ser professor é um fazer complexo, por ser um processo de formação de longa duração, em que o mesmo precisa transpor o papel de mero transmissor de conhecimento para um mediador de novos saberes, em busca de uma prática reflexiva, a partir de ações dialógicas que atendam suas necessidades, como também dos seus alunos, numa relação de interação social e não individualizada, possibilitando a eles um ensino-aprendizagem reflexivo.

E o modelo pedagógico reflexivo, possibilitará ao aluno, assim como ao professor, à aprender a aprender, a aprender a pensar num contexto transdisciplinar, em que todos serão conhecedores e produtores de conhecimento.

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